Alimentação e sustentabilidade: repensando a relação


Reciclar o lixo, reduzir o gasto de água e buscar fontes alternativas de energia. Hoje, a sustentabilidade deve — e pode — ir muito além disso: é preciso cuidar da nossa alimentação.

Quando raízes, frutas, legumes, verduras e animais caçados eram a base do cardápio humano, o meio ambiente não sofria tanto os impactos provenientes da agricultura e domesticação de animai, já que fazia parte de um ciclo natural.

Mas como reduzir tais impactos? O GEN conversou com a nutricionista Marta Moeckel, autora do livro “HUMANIDADE, DESENVOLVIMENTO E ALIMENTAÇÃO:  QUE FUTURO É ESSE?” para esclarecer melhor o assunto. Confira a entrevista:


GEN:  Qual a relação entre alimentação e a sustentabilidade? 

M.M: Alimentação natural e bioecológica, gastronomia e sustentabilidade são temas atuais. Sustentabilidade está na moda da cena culinária. Livros, revistas, jornais, programas de TV, rádio e, principalmente, a internet e as redes sociais revelam, diariamente, novas e inusitadas informações. De um lado, um boom de receitas elaboradas por chefs famosos, novos ingredientes, pesquisas e novas técnicas, até mesmo para imitar os antigos e naturais sabores. De outro, o efeito estufa, os créditos de carbono, o desmatamento, a preocupação com a água, ou com a falta dela, e o fantasma malthusiano de que o aumento demográfico suplantará a capacidade da produção de alimentos, ressurgindo em nova crise alimentar. No entanto, a conexão entre alimentação e sustentabilidade, em sua real dimensão, não é feita. Embora o ato de se alimentar seja uma das atividades mais importantes do ser humano, não há uma compreensão das relações entre esse ato e os impactos à natureza, os quais são gerados pelos novos modos de vida, novos modelos de negócios e novas tecnologias.

GEN: Que  tipo de alimentos podem ser considerados 'sustentáveis' sob o ponto de vista do impacto ambiental?

M.M.: Não se pode falar em alimentos sustentáveis, mas num conjunto de ações que tornam o consumo de alimentos mais sustentáveis. Resgatar práticas, tradições, patrimônio é, sem dúvida, o primeiro passo para buscar meios de sobrevivência em um planeta que já agoniza. Valorizar os modos de produção tradicional e os alimentos regionais/locais; valorizar, incentivar e formar o homem do campo e para o campo; fazer uso racional dos recursos naturais; reduzir os desperdícios e a geração de resíduos; reduzir/eliminar produtos químicos são algumas dessas ações. 

GEN: Como reduzir esses impactos na produção de alimentação coletiva, utilizando as tecnologias a seu favor?

M.M.: O grande desafio da época atual é como promover o desenvolvimento sustentado para uma população crescente, o que implica aumento da produção de alimentos sem destruir os recursos naturais − que permitem a manutenção das condições de vida do Planeta Terra. Já é possível, no entanto, a utilização de equipamentos e tecnologia capazes de tornar “mais verde” a infraestrutura utilizada em cozinhas, além de racionalizar a operação. Seguem alguns exemplos:

• Recicladora de Lixo Orgânico: transforma o resíduo em pó orgânico, reduzindo em até 90% do volume de lixo. Ao compactar o lixo, separa a água embutida nesses restos e a higieniza nos procedimentos, permitindo que possa ser usada, por exemplo, para lavagem de pisos e irrigação de jardins.
• Fritadeira com filtragem para maior reutilização do óleo: sistema de filtragem com o uso de carvão ativado.
• Sistema de Aquecimento de Água por biomassa: Nesse sistema, como fonte − combustível − para a produção de energia, podem ser usados lenha certificada de florestas renováveis, briquetes (toras de lenha feitas de sobras de maneira reciclada) e pellets (resíduos de madeiras).
• Fogão de cozimento por indução: Os fogões de indução aquecem os alimentos de maneira mais equilibrada ao transformar as panelas em fontes de calor. Proporcionam uma economia real de 60% e 40% em relação ao uso do gás e de energia elétrica, respectivamente.
• Separador do óleo e água: pequena estação de tratamento de água, instalado sob a pia junto ao sistema de encanamento. Faz a separação automática de resíduos orgânicos e óleo, não permitindo entupimentos, que são constantes em cozinhas. O acúmulo de óleos e resíduos pode ser usado como matéria-prima de biodiesel e comercializado para usinas, ou mesmo transformado em sabão.
• Lavadora de louça com sistema de reuso da água.
• Fornos combinados: tecnologia não tão recente, funcionam combinando ar quente seco com vapor. Podem cozinhar diversos alimentos ao mesmo tempo, mais rápido que na cozinha convencional e com economia de energia. Esse tipo de equipamento está cada vez mais presente nas Unidades Produtoras de Refeições (UPRS)  brasileiras.

GEN:  O que você observou em sua pesquisa nos restaurantes da Alemanha,  como diferencial importante a destacar e como poderia ser aplicado no Brasil?

M.M.: A Alemanha é considerada um país de referência no quesito tecnologias de meio ambiente e sustentabilidade. Foi possível confirmar isso em quase todas as UPRs visitadas. Inovações tecnológicas em cozinha também são muitas, visto a qualidade alemã em motores e ferramentas. Obviamente, o investimento em tecnologias faz toda a diferença nos ambientes de cozinha quando reduz: o nível de ruído, o uso de recursos naturais, a emissão de gases, os desperdícios e, principalmente, a carga excessiva de trabalho.
Para além da tecnologia, dentro de um contexto de sustentabilidade, observou-se as inter-relações das dimensões ambiental, social e econômica. As ações socioambientais são representadas pela promoção da saúde, educação, formação e capacitação dos colaboradores. As ações socioeconômicas, pela geração de empregos e o incentivo à produção de produtos locais, regionais e/ou orgânicos. E as ações ecoambientais, pelo uso racional de recursos naturais e a gestão eficiente de resíduos.
Enquanto no Brasil a alimentação coletiva carece de cuidado, atenção, educação e comprometimento, na Alemanha é condição sine qua non para o sucesso dos empreendimentos. Há de se considerar a hipótese de que o caminho da prosperidade passa por uma educação de qualidade. E, diferente do Brasil, onde a educação ficou esquecida por muito tempo, o sistema educacional alemão tem se desenvolvido muito nas últimas décadas. O investimento em educação gera resultados econômicos positivos e o consequente crescimento da renda do país. Pessoas mais bem instruídas recebem maiores salários e pagam mais impostos. Ressalta-se também o fato de que a qualificação por meio de investimentos em capital humano fornece a facilitação à absorção e adaptação a novas tecnologias.


Marta Moeckel Amaral Lustosa

Graduada em Nutrição pela Faculdade de Ciências da Saúde São Camilo (1980).Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE - Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012). Especialista em Qualidade de Alimentos pelo Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos (2003) e em Alimentação Coletiva pela Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN). É docente e consultora de projetos operacionais em alimentação coletiva, atuando principalmente nos seguintes temas: nutrição em produção de refeições, gestão de unidades produtoras de refeições, controle de qualidade e inovação tecnológica.